Ingrid Vogl
Em um mundo que exige cada vez mais que as pessoas sejam protagonistas de sua própria evolução e de suas comunidades, o desenvolvimento de competências socioemocionais é progressivamente necessário. A prática de boas atitudes e habilidades de controle das emoções, demonstração de empatia, manutenção de relações sociais positivas e tomadas de decisões de maneira responsável, são algumas das habilidades que estão em evidência, inclusive na elaboração de práticas pedagógicas mais assertivas e eficazes.
Em conversa com o Compromisso Campinas pela Educação (CCE), a pedagoga Adriana Ramos, membro do GEPEM (Grupos de Estudos e Pesquisas em Educação Moral) da Unesp, fala sobre a importância das competências socioemocionais na educação e frisa que é essencial que elas sejam vivenciadas na relação interpessoal e na convivência, levando a uma necessidade de se repensar todo ambiente sociomoral da escola. Confira a entrevista.
CCE- Quais competências socioemocionais são mais importantes? Por que essas competências precisam ser trabalhadas?
Adriana Ramos- Nas últimas décadas a discussão sobre o papel e a importância das competências socioemocionais ganhou espaços em diversos lugares do mundo. Em meados dos anos 90, acontece a publicação do Relatório Jacques Delors, organizado pela Unesco, marco importante para o debate sobre a importância de uma educação plena, que considere o ser humano em sua integralidade. O relatório da Unesco indica um sistema de ensino fundamentado em quatro pilares: (I) aprender a conhecer, (II) aprender a fazer, (III) aprender a ser, e (IV) aprender a conviver. A partir disso, especialistas iniciam a definição das competências necessárias ao alcance dos pilares propostos. Essa nova visão não desconsidera as competências cognitivas, mas acrescenta as socioemocionais. Algumas pesquisas relacionam maior facilidade de alunos aprenderem os conteúdos acadêmicos ao desenvolvimento das competências socioemocionais.
Sobre as competências mais importantes no ambiente escolar, é preciso conhecer cada realidade, no entanto, a Teoria do Big Five elenca cinco dimensões para este trabalho: 1. Abertura a novas experiências; 2. Consciência; 3. Extroversão; 4. Amabilidade 5. Estabilidade emocional.
Outros estudos elegem habilidades para o aprendizado e para a inovação, assim como resiliência, empatia, temperança, entre outros.
CCE- Qual a importância do desenvolvimento das competências socioemocionais na educação? Como é possível incentivar o desenvolvimento dessas competências?
Adriana Ramos- A princípio se atribui uma melhoria nos resultados acadêmicos, porém o resultado mais expressivo é a melhoria nas relações interpessoais. Como são competências e habilidades, é possível desenvolvê-las a partir de experiências e da interação com outras pessoas.
CCE- Como as escolas/ professores podem potencializar as competências socioemocionais dos alunos?
Adriana Ramos- Criando um ambiente sociomoral cooperativo, crítico, respeitoso e justo. Um lugar em que seja possível discutir sobre os problemas reais da escola e das relações, com espaços sistemáticos de práticas morais deliberativas, substantivas e reflexivas.
CCE- Como as avaliações podem ir além dos conteúdos e também contemplar as competências socioemocionais dos alunos?
Adriana Ramos- Não pode ser da forma como está acontecendo, essa é uma grande crítica ao trabalho com as competências socioemocionais na escola. A avaliação do desenvolvimento dessas competências deve ser reflexo de um ambiente de convivência mais respeitoso e humano. Quantificar as competências socioemocionais pouco ou nada contribuem para a formação de sujeitos mais éticos.
As avaliações atuais nesta área, por exemplo, indicam que uma turma que tinha 3,1 no quesito empatia, subiu para, por exemplo 3,9. Agora o que de fato isso significa? Isso transforma as relações? Respeito e justiça são fundamentais para a mudança e melhoria da convivência ética, porém não são contemplados nas competências socioemocionais. Óbvio que desenvolver empatia é algo positivo, mas é importante que se tenha um ambiente considerando a complexidade das relações.
CCE- Como deve ser a formação dos professores para que explorem as competências socioemocionais em sala de aula?
Adriana Ramos- É importante uma formação sólida para que o professor compreenda o processo de desenvolvimento humano e possa, juntamente com a equipe gestora, organizar um ambiente sociomoral mais ético, que promova a construção de valores como respeito, justiça, dignidade, etc. As competências socioemocionais podem contribuir neste processo, pois ajudam nos conflitos interpessoais, para que se resolvam de forma mais justa.
CCE- No Brasil, as escolas já trabalham de maneira adequada o desenvolvimento dessas competências? Você pode citar exemplos de como isso está sendo trabalhado?
Adriana Ramos – Se compreendermos que essas competências são importantes, é o que defendo, porém não é só uma questão de as desenvolver com exercícios como os autores defendem, é importante que sejam vivenciadas na relação, na convivência e todo ambiente sociomoral da escola precisa ser repensado. A crítica mais contundente a esse tipo de atividade é que apesar de termos no mercado materiais muito bem elaborados, eles foram feitos para os alunos. Há uma formação para os professores pontual e reducionista, o que faz com que a escola apenas inclua mais uma matéria, que pouco transformará as relações.
CCE- Quando e como surgiu a discussão sobre a importância do desenvolvimento das competências socioemocionais?
Adriana Ramos- O autor mais conhecido no momento que aborda esse tema é Paul Tough, autor do livro “Questão de caráter”. Ele defende a ideia de que o sucesso acadêmico não está ligado ao bom desempenho na escola e sim à manifestação de características como otimismo, resiliência, rapidez na socialização. Ele defende ainda que, as competências socioemocionais não são inatas e fixas, são habilidades que podem ser aprendidas seja no ambiente familiar, seja na escola.
No início dos anos 90 essa discussão passou a ganhar mais destaque. Atualmente temos o Instituto Ayrton Senna e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizando pesquisas nesta área, porém, o foco é sempre a melhoria da aprendizagem dos conteúdos escolares, alunos mais focados, organizados, responsáveis, que aprendem mais. Isso não é de todo ruim, mas se queremos formar cidadãos críticos, essas competências precisam ser um investimento de toda escola, e o objetivo deve ser o desenvolvimento de pessoas mais autônomas cognitivamente, mas também moralmente.