terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

CONTAR HISTÓRIAS...

Quando o sultão ameaçou matar a bela Sherazade, foi a contação de histórias que salvou a vida dela. As histórias narradas em voz alta não apenas livraram a moça de um destino cruel como ganharam o mundo como uma das coletâneas de contos mais famosas da Idade Moderna.

Mas não é só na cultura persa que contar histórias vai muito além do entretenimento. Por exemplo: muitos povos africanos consideram o ato da fala mágico e, por isso, as narrativas acabam ganhando um caráter sagrado. Tão sagrado que eles treinam e selecionam um integrante específico da comunidade apenas para se dedicar à arte da contação. Os griôs, pessoas com excelente memória, são os contadores encarregados de preservar a identidade e a história oral dos povos negros.

Contar histórias, porém, não se faz de qualquer maneira. O segredo da prática é o mergulho no conto - o que não é o mesmo de simplesmente narrar uma sequência de acontecimentos em voz alta. Um contador deve memorizar o enredo e reproduzi-lo de maneira que suas impressões e as do público sejam entrelaçadas, instigando-se mutuamente. É quase como uma dança bem coreografada cujos passos - do contador e dos ouvintes - devem ser harmônicos. 

Até a escrita ser inventada e popularizada, a comunicação humana era fundamentalmente baseada na oralidade. Contar histórias é, portanto, uma das ações mais antigas da humanidade – com inúmeras utilidades tanto para adultos quanto para crianças em idade escolar, o que torna essa mistura entre contar e interpretar especialmente importante na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

Para as crianças, apontam os especialistas, é importante que a realidade seja representada por meio de símbolos. Isto porque, ainda “novatos” no mundo, os pequenos não se relacionam com a realidade da mesma maneira objetiva que os adultos. Para as crianças, o conhecimento de si mesmos e dos outros e as várias regras sociais são inferidas por meio do lúdico e do encantamento – ou seja, da diversão e da brincadeira. 
Nesse contexto, a contação de histórias feita por professores e pais funciona como uma porta de entrada para um mundo imaginário. Além disso, ouvir histórias é a primeira maneira de socializar as crianças pequenas e pré-adolescentes com a estética da narrativa e despertar o interesse pelos livros e pela literatura. 

Por conta disso, mesmo para os alunos que ainda não são alfabetizados, ouvir histórias funciona como um passeio pela língua portuguesa, uma vez que amplia vocabulário, estimula o comportamento leitor e incentiva a criatividade

Da mesma maneira, as crianças em fase de alfabetização também se beneficiam com a contação de histórias. Esses alunos precisam de estímulo para o gosto pela leitura livre e também necessitam ter contato com os textos em contextos sociais. 

Carregadas de símbolos, lirismos e fantasias, as boas histórias são exercícios de linguagem figurada e de imaginação, mas também funcionam como ferramenta pedagógica, já que podem trazer para a sala de aula, de maneira descontraída, tópicos difíceis do currículo escolar. Da mesma forma, servem como estratégia para abordar valores importantes para a vida em uma sociedade democrática.

Não é à toa, portanto, que a contação de histórias tem um dia especial no calendário: 20 de março, uma data para lembrar como é gostoso contar e ouvir aventuras e enredos, independentemente da idade, sem tirar de vista o quanto podemos aprender com elas.

Acesso em 27/02/2018, http://blogs.oglobo.globo.com/todos-pela-educacao/post/contar-historias-para-criancas-impacta-no-desempenho-escolar-delas.html?utm_source=Twitter&utm_medium=Social&utm_campaign=compartilhar



domingo, 18 de fevereiro de 2018

Metodologias ativas de ensino


Alunos no centro do conhecimento
Saturação no modelo tradicional de aula leva instituições a adotar metodologias ativas de ensino para motivar os estudantes e tornar o processo de ensino e aprendizagem mais significativo

Por Marleine Cohen
“O que eu ouço, eu esqueço; o que eu vejo, eu lembro; o que eu faço, eu compreendo.” Formulada há cerca de 2,5 mil anos, a máxima do pensador e filósofo chinês Confúcio foi retomada por pedagogos, psicólogos e estudiosos para fundamentar a utilização de meios de aprendizagem mais interativos e envolventes em sala de aula: as metodologias ativas. Adaptadas às exigências do mundo moderno, elas têm como característica despertar o protagonismo do aluno e impor uma remodelação do papel do professor, apontando alternativas para o mero aprendizado passivo. Segundo o professor norte-americano Mel Silberman, um de seus adeptos, “uma metodologia ativa de aprendizagem tem como premissa que apenas ver e ouvir um conteúdo de maneira apática não é suficiente para absorvê-lo. O conteúdo e as competências devem ser discutidos e experimentados até chegar ao ponto em que o aluno possa dominar o assunto e falar a respeito com seus pares, e quem sabe até mesmo ensiná-lo”.
Desdobradas em uma dezena de modelos diferentes – Aprendizagem Baseada em Problemas, Aprendizagem entre Pares, Aprendizagem Baseada em Projetos, entre outros –, as metodologias ativas são a bola da vez e estão ganhando as salas de aula, onde instituições de ensino as empregam em cursos tão distintos quanto os de medicina, engenharia ou pedagogia.
“Esta é uma atualização necessária do conceito de aprendizagem”, opina o diretor de Inovação Acadêmica e Redes de Cooperação do Semesp, Fábio Reis. “O Brasil tem espaço para as metodologias ativas”, endossa o vice-presidente acadêmico da ESPM, Alexandre Gracioso. “Além de ser um distintivo nosso, acumulamos experiência suficiente para poder afirmar que este é o caminho que tem respaldo da ciência e vai ser cada vez mais usado em todo o mundo.”
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Adeus à sala de aula convencional, onde o professor – detentor máximo do saber – apresenta conceitos na lousa, enquanto seus alunos mantêm os ouvidos atentos, tomam notas e, quando muito, levantam a mão para interferir no curso da exposição e sanar alguma dúvida.
No mundo contemporâneo, pelo menos dois empuxos dão como saturado o modelo clássico de ensino e sua indispensável substituição por um intercâmbio de ideias mais participativo: as últimas descobertas da neurociência e as peculiaridades do mercado de trabalho. “Sabe-se hoje que, para aprender, é preciso estimular determinadas áreas do cérebro que até então não eram usadas. Este é o fundamento científico das metodologias ativas”, resume Alexandre Gracioso.
De fato, mais do que uma simples transferência de conhecimento, aprender está associado à capacidade de compreender e fazer uso de raciocínio crítico e analítico. Assim sendo, tira-se de cena a memorização para incentivar o desenvolvimento de estruturas cognitivas que facilitam a recuperação de conhecimentos relevantes, quando estes vierem a ser necessários para a solução de problemas similares, explicam os especialistas.
Da proposta origina-se um perfil de aluno – e futuro profissional – diferente: mais engajado com o próprio ensino, colaborativo e criativo, e capaz de fazer correlações e resolver problemas. Familiarizado com o acesso fácil e instantâneo à informação, preza habilidades como a comunicação, a ética, o empreendedorismo, o respeito à diversidade e a liderança. Sabe trabalhar em grupo, é inquieto, questionador e consegue pensar com autonomia. Exatamente o que demanda o mercado de trabalho nos dias de hoje.
“A metodologia ativa é um modelo de ensino muito importante atualmente”, sustenta Amanda Santana, aluna do 8º semestre de design da ESPM. “Ao longo do curso, não precisei fazer decoreba. Aprendi a trabalhar”, diz, enfatizando que uma das suas tarefas foi produzir um projeto de embalagem para sachês de ketchup, mostarda e maionese para a Unilever.
Não bastasse talhar os jovens para o mundo profissional, há evidências de que as metodologias ativas melhoram o desempenho dos alunos. “A literatura especializada responde positivamente a esta preocupação. Diversos artigos e livros mostram que a diferença é visível”, garante a diretora acadêmica do Grupo Ser Educacional, Simone Bérgamo.
A primeira grande mudança é de ordem comportamental: “O aluno muda a postura e os seus hábitos de estudo. Percebe que se limitar à leitura ou à atividade proposta em classe não basta. Vai ter de entender, apreender conceitos e saber para que eles servem, descreve Ana Valéria Sampaio de Almeida Reis, pesquisadora do Laboratório de Inovação Acadêmica do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal).
Gustavo Hoffmann, diretor de Inovação e Internacionalização da Ânima Educação, recorre a investigações pessoais, onde comparou modelos tradicionais de sala de aula e metodologias inovadoras, para afirmar: “Os resultados são incontestáveis. Elas funcionam melhor em termos de aprendizagem”.
“Em um dos trabalhos que fiz”, explica, “concluí que estudantes submetidos a metodologias ativas aprenderam, em média, 16% mais do que os alunos sujeitos ao modelo tradicional, predominantemente expositivo, ainda que tivessem apenas 50% da carga horária presencial (o restante era oferta de conteúdo on-line). Isso quer dizer que o importante não é o tempo que o aluno passa em classe, mas, sim, a metodologia à qual é confrontado.” A proposta de aprendizagem denominada Sala de Aula Invertida (Flipped Classroom) é um modelo híbrido que combina atividades presenciais e outras realizadas por meio de tecnologias digitais de informação. O objetivo é que, antes da aula, o aluno se prepare e estude uma temática específica, levantando questionamentos que serão o ponto de partida para as discussões em classe. Já em outra pesquisa durante a qual o professor aplicou apenas uma vez por mês metodologias ativas em sala de aula, Hoffmann constatou que houve ganho de aprendizagem da ordem de 11%.
Ainda com relação à eficácia das metodologias ativas, vale ressaltar as aferições realizadas pela ESPM: “Escolhemos como driver comportamental o engajamento do aluno e passamos a fazer medições na escola para avaliar o sucesso da iniciativa. Percebemos que a participação dos alunos em sala de aula cresceu cerca de 25%”, informa o vice-presidente da escola.
No entanto, no quesito evasão, nem mesmo a adoção de métodos de ensino alternativos se mostrou útil: “Evasão é multifatorial”, justifica o diretor da Ânima Educação. “É muito difícil atribuir às metodologias ativas a capacidade de reter alunos, uma vez que inferir causalidade, neste caso, é praticamente impossível.”
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Versatilidade e baixo custo
Facilmente moldadas a qualquer tipo de curso ou disciplina, a escolha das metodologias mais apropriadas ao público e à instituição de ensino vai depender de vários fatores: o nível de maturidade da IES em relação à sua aplicação, o projeto pedagógico institucional, o perfil dos alunos e docentes, o portfólio de cursos ofertados, a disponibilidade orçamentária, a preparação dos espaços de aprendizagem e a infraestrutura tecnológica, entre outros. Na opinião de Hoffmann, um professor pode se sentir mais confortável em aplicar o Peer Instruction, enquanto seu par vai preferir usar a metodologia Problem Based Learning (PBL) ou Aprendizagem Baseada em Problemas . “Não há regra. A recomendação é que as instituições dispostas a iniciar um processo de mudança busquem metodologias mais simples, que permitam uma adesão voluntária dos docentes”, defende. “Na Ânima, instituímos metodologias simples, escaláveis e replicáveis. Investimos muito na formação de professores mentores, que são nossos multiplicadores; estabelecemos indicadores de performance e revisamos periodicamente nosso modelo, a fim de aprimorar as boas práticas.”
Para Fábio Reis, a escolha da melhor metodologia ativa depende do passo a passo em sala de aula: “O ensino da medicina é baseado na observação de problemas complexos, daí ser útil usar a PBL. Já o de engenharia se assenta mais em projetos, abrindo caminho para a Aprendizagem Baseada em Projetos (ABP)”, diz.
Ugo Caramori, aluno do 6º ano de medicina da PUC, se considera “um eterno defensor” do modelo. “As metodologias ativas permitem que o aluno saia do curso com uma boa vivência de casos clínicos, atendimento em ambulatórios e Unidades Básicas de Saúde, enfim, um profissional sintonizado com o paciente, não com a teoria”, define.
Seja como for, todas elas supõem alguns investimentos – minimamente, uma internet de qualidade e salas equipadas com computadores ou tablets. Mas a preparação de ambientes próprios para exercícios de simulação, salas apropriadas para projeções e laboratórios de última geração, além de uma profusão de gadgets, são “mito”, segundo o vice-presidente acadêmico da ESPM. Para ele, “é possível aplicar metodologias ativas sem grandes investimentos”.
Preconceito, o principal desafio
Praticadas na Grécia antiga desde os tempos de Aristóteles, por volta de 300 a.C., as metodologias ativas encontraram respaldo nas ideias do educador pernambucano Paulo Freire, mas ainda hoje despertam resistência entre professores e alunos por vários motivos.
O primeiro tem um ranço sociopolítico: “Historicamente, por interesses particulares e motivos políticos, o modelo de escola e a seleção de conteúdos para as matrizes curriculares definiram padrões de comportamento social e de conhecimento estanques”, avalia Ana Valéria Reis. “Mas o ensino padronizado da era industrial, baseado em um modelo com disciplinas fragmentadas e aprendizagem cronometrada, já não motiva os estudantes, embora a maioria das escolas ainda se mantenha nesse padrão.”
Ao lado disso, há medo e ceticismo: “Pelas oficinas e workshops que venho realizando em várias instituições, sinto que alguns professores têm receio de fracassar, de não conseguir aplicar corretamente a metodologia”, prossegue a pesquisadora. “Há encantamento pela ferramenta, há vontade de utilizá-la, há apoio por parte das instituições, mas ainda persistem dúvidas: os docentes indagam quem os ajudará a esclarecer o que ainda não sabem.”
Medo do desconhecido e resistência provocada pela ignorância são, de fato, os freios para a reformulação do currículo de formação de professores e introdução de novas formas de aprendizagem no Brasil, aponta Enilton Ferreira Rocha, professor na pós-graduação das Faculdades Santo Agostinho, de Montes Claros (MG). Citando Paulo Freire, segundo o qual “ensinar exige reflexão crítica sobre a prática”, Rocha realizou uma pesquisa junto a 83 docentes de cursos superiores em diversas áreas do conhecimento – administração, arquitetura, ciências contábeis, psicologia, direito e outros –, onde se fazia uso da PBL, e verificou que, embora 82% dos professores se mostrassem motivados pela adoção do método, perpetuavam-se argumentos contra a inovação. Dentre eles, destaque para a falta de preparação dos alunos para aprender como protagonista, a exigência de muita disciplina, competência nas relações interpessoais, hábito de leitura, administração de tempo e espírito de cooperação – perfis pouco encontrados na comunidade acadêmica e a influência negativa da falta de conhecimento prévio dos estilos de aprendizagem sobre os resultados esperados.
Não bastasse, ensinar aplicando metodologias ativas exige esforço, reconhece Gustavo Hoffmann. “A maioria dos professores já tem aulas expositivas bem estruturadas, com todo o material preparado. A recorrência semestral do modelo expositivo gera muito pouco retrabalho e esta situação acaba sendo bastante confortável. Mudar a forma de ensinar dá trabalho e nem todo professor está disposto a encarar esta mudança”, diz.
Para acelerar a cruzada da implantação das metodologias, os especialistas acreditam que o primeiro passo é sempre institucional: “Para que a escola não perca sua relevância social, é preciso que ela acompanhe os movimentos dos estudantes do século 21, que participe, compartilhe, interaja com a sociedade e com a vida de seus alunos”, define Ana Valéria Reis. “Ou seja, a IES tem de querer mudar ou aceitar que tem professores que desejam mudanças no formato das aulas. O Unisal deu o primeiro passo: quis a mudança. Depois, veio a motivação dos professores. Investiu-se neles, para que aprendessem a metodologia, a experimentassem, apresentassem suas dificuldades e tomassem consciência da mudança de postura em sala de aula. A adequação dos alunos é consequência da mudança de atitude do professor.”
Para promover esse câmbio, pipocam iniciativas como as Semanas Pedagógicas e a Roda de Mestre, encontros realizados no Grupo Ser Educacional que ajudam os docentes a refletirem sobre a prática de ensinar.
Outra iniciativa é a formação de consórcios de capacitação, como o Consórcio Sthem Brasil, em torno do qual estão alinhadas 44 IES. Ano passado, ele investiu US$ 220 mil em recursos próprios na habilitação de professores em metodologias ativas. “Investir em docentes entusiastas, que sejam mentores e multiplicadores destas práticas, tem retorno garantido”, aposta Gustavo Hoffmann. Basta perseverar.
Fonte: Revista educação, acesso em 18.02.2018