Alunos no
centro do conhecimento
Saturação
no modelo tradicional de aula leva instituições a adotar metodologias ativas de
ensino para motivar os estudantes e tornar o processo de ensino e aprendizagem
mais significativo
Por Marleine Cohen
“O que eu ouço, eu esqueço; o que eu vejo, eu lembro; o que eu faço, eu
compreendo.” Formulada há cerca de 2,5 mil anos, a máxima do pensador e
filósofo chinês Confúcio foi retomada por pedagogos, psicólogos e estudiosos
para fundamentar a utilização de meios de aprendizagem mais interativos e
envolventes em sala de aula: as metodologias ativas. Adaptadas às exigências do
mundo moderno, elas têm como característica despertar o protagonismo do aluno e
impor uma remodelação do papel do professor, apontando alternativas para o mero
aprendizado passivo. Segundo o professor norte-americano Mel Silberman, um de
seus adeptos, “uma metodologia ativa de aprendizagem tem como premissa que
apenas ver e ouvir um conteúdo de maneira apática não é suficiente para
absorvê-lo. O conteúdo e as competências devem ser discutidos e experimentados
até chegar ao ponto em que o aluno possa dominar o assunto e falar a respeito
com seus pares, e quem sabe até mesmo ensiná-lo”.
Desdobradas em uma dezena de modelos diferentes – Aprendizagem Baseada
em Problemas, Aprendizagem entre Pares, Aprendizagem Baseada em Projetos, entre
outros –, as metodologias ativas são a bola da vez e estão ganhando as salas de
aula, onde instituições de ensino as empregam em cursos tão distintos quanto os
de medicina, engenharia ou pedagogia.
“Esta é uma atualização necessária do conceito de aprendizagem”, opina o
diretor de Inovação Acadêmica e Redes de Cooperação do Semesp, Fábio Reis. “O
Brasil tem espaço para as metodologias ativas”, endossa o vice-presidente
acadêmico da ESPM, Alexandre Gracioso. “Além de ser um distintivo nosso,
acumulamos experiência suficiente para poder afirmar que este é o caminho que
tem respaldo da ciência e vai ser cada vez mais usado em todo o mundo.”
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Adeus à sala de aula convencional, onde o professor – detentor máximo do saber
– apresenta conceitos na lousa, enquanto seus alunos mantêm os ouvidos atentos,
tomam notas e, quando muito, levantam a mão para interferir no curso da
exposição e sanar alguma dúvida.
No mundo contemporâneo, pelo menos dois empuxos dão como saturado o
modelo clássico de ensino e sua indispensável substituição por um intercâmbio
de ideias mais participativo: as últimas descobertas da neurociência e as
peculiaridades do mercado de trabalho. “Sabe-se hoje que, para aprender, é
preciso estimular determinadas áreas do cérebro que até então não eram usadas.
Este é o fundamento científico das metodologias ativas”, resume Alexandre
Gracioso.
De fato, mais do que uma simples transferência de conhecimento, aprender
está associado à capacidade de compreender e fazer uso de raciocínio crítico e
analítico. Assim sendo, tira-se de cena a memorização para incentivar o
desenvolvimento de estruturas cognitivas que facilitam a recuperação de
conhecimentos relevantes, quando estes vierem a ser necessários para a solução
de problemas similares, explicam os especialistas.
Da proposta origina-se um perfil de aluno – e futuro profissional –
diferente: mais engajado com o próprio ensino, colaborativo e criativo, e capaz
de fazer correlações e resolver problemas. Familiarizado com o acesso fácil e
instantâneo à informação, preza habilidades como a comunicação, a ética, o
empreendedorismo, o respeito à diversidade e a liderança. Sabe trabalhar em
grupo, é inquieto, questionador e consegue pensar com autonomia. Exatamente o
que demanda o mercado de trabalho nos dias de hoje.
“A metodologia ativa é um modelo de ensino muito importante atualmente”,
sustenta Amanda Santana, aluna do 8º semestre de design da ESPM. “Ao longo do
curso, não precisei fazer decoreba. Aprendi a trabalhar”, diz, enfatizando que
uma das suas tarefas foi produzir um projeto de embalagem para sachês de
ketchup, mostarda e maionese para a Unilever.
Não bastasse talhar os jovens para o mundo profissional, há evidências
de que as metodologias ativas melhoram o desempenho dos alunos. “A literatura
especializada responde positivamente a esta preocupação. Diversos artigos e
livros mostram que a diferença é visível”, garante a diretora acadêmica do
Grupo Ser Educacional, Simone Bérgamo.
A primeira grande mudança é de ordem comportamental: “O aluno muda a postura e
os seus hábitos de estudo. Percebe que se limitar à leitura ou à atividade
proposta em classe não basta. Vai ter de entender, apreender conceitos e saber
para que eles servem, descreve Ana Valéria Sampaio de Almeida Reis,
pesquisadora do Laboratório de Inovação Acadêmica do Centro Universitário
Salesiano de São Paulo (Unisal).
Gustavo Hoffmann, diretor de Inovação e Internacionalização da Ânima
Educação, recorre a investigações pessoais, onde comparou modelos tradicionais
de sala de aula e metodologias inovadoras, para afirmar: “Os resultados são
incontestáveis. Elas funcionam melhor em termos de aprendizagem”.
“Em um dos trabalhos que fiz”, explica, “concluí que estudantes
submetidos a metodologias ativas aprenderam, em média, 16% mais do que os
alunos sujeitos ao modelo tradicional, predominantemente expositivo, ainda que
tivessem apenas 50% da carga horária presencial (o restante era oferta de
conteúdo on-line). Isso quer dizer que o importante não é o tempo que o aluno
passa em classe, mas, sim, a metodologia à qual é confrontado.” A proposta de
aprendizagem denominada Sala de Aula Invertida (Flipped Classroom) é um
modelo híbrido que combina atividades presenciais e outras realizadas por meio
de tecnologias digitais de informação. O objetivo é que, antes da aula, o aluno
se prepare e estude uma temática específica, levantando questionamentos que
serão o ponto de partida para as discussões em classe. Já em outra pesquisa
durante a qual o professor aplicou apenas uma vez por mês metodologias ativas
em sala de aula, Hoffmann constatou que houve ganho de aprendizagem da ordem de
11%.
Ainda com relação à eficácia das metodologias ativas, vale ressaltar as
aferições realizadas pela ESPM: “Escolhemos como driver comportamental o
engajamento do aluno e passamos a fazer medições na escola para avaliar o
sucesso da iniciativa. Percebemos que a participação dos alunos em sala de aula
cresceu cerca de 25%”, informa o vice-presidente da escola.
No entanto, no quesito evasão, nem mesmo a adoção de métodos de ensino
alternativos se mostrou útil: “Evasão é multifatorial”, justifica o diretor da
Ânima Educação. “É muito difícil atribuir às metodologias ativas a capacidade
de reter alunos, uma vez que inferir causalidade, neste caso, é praticamente
impossível.”
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Facilmente moldadas a qualquer tipo de curso ou disciplina, a escolha das
metodologias mais apropriadas ao público e à instituição de ensino vai depender
de vários fatores: o nível de maturidade da IES em relação à sua aplicação, o
projeto pedagógico institucional, o perfil dos alunos e docentes, o portfólio
de cursos ofertados, a disponibilidade orçamentária, a preparação dos espaços
de aprendizagem e a infraestrutura tecnológica, entre outros. Na opinião de
Hoffmann, um professor pode se sentir mais confortável em aplicar o Peer
Instruction, enquanto seu par vai preferir usar a metodologia Problem Based
Learning (PBL) ou Aprendizagem Baseada em Problemas . “Não há regra. A
recomendação é que as instituições dispostas a iniciar um processo de mudança
busquem metodologias mais simples, que permitam uma adesão voluntária dos
docentes”, defende. “Na Ânima, instituímos metodologias simples, escaláveis e
replicáveis. Investimos muito na formação de professores mentores, que são
nossos multiplicadores; estabelecemos indicadores de performance e revisamos
periodicamente nosso modelo, a fim de aprimorar as boas práticas.”
Para Fábio Reis, a escolha da melhor metodologia ativa depende do passo
a passo em sala de aula: “O ensino da medicina é baseado na observação de
problemas complexos, daí ser útil usar a PBL. Já o de engenharia se assenta
mais em projetos, abrindo caminho para a Aprendizagem Baseada em Projetos
(ABP)”, diz.
Ugo Caramori, aluno do 6º ano de medicina da PUC, se considera “um
eterno defensor” do modelo. “As metodologias ativas permitem que o aluno saia
do curso com uma boa vivência de casos clínicos, atendimento em ambulatórios e
Unidades Básicas de Saúde, enfim, um profissional sintonizado com o paciente,
não com a teoria”, define.
Seja como for, todas elas supõem alguns investimentos – minimamente, uma
internet de qualidade e salas equipadas com computadores ou tablets. Mas a
preparação de ambientes próprios para exercícios de simulação, salas
apropriadas para projeções e laboratórios de última geração, além de uma
profusão de gadgets, são “mito”, segundo o vice-presidente acadêmico da ESPM.
Para ele, “é possível aplicar metodologias ativas sem grandes investimentos”.
Preconceito, o principal desafio
Praticadas na Grécia antiga desde os tempos de Aristóteles, por volta de 300
a.C., as metodologias ativas encontraram respaldo nas ideias do educador pernambucano
Paulo Freire, mas ainda hoje despertam resistência entre professores e alunos
por vários motivos.
O primeiro tem um ranço sociopolítico: “Historicamente, por interesses
particulares e motivos políticos, o modelo de escola e a seleção de conteúdos
para as matrizes curriculares definiram padrões de comportamento social e de
conhecimento estanques”, avalia Ana Valéria Reis. “Mas o ensino padronizado da
era industrial, baseado em um modelo com disciplinas fragmentadas e
aprendizagem cronometrada, já não motiva os estudantes, embora a maioria das
escolas ainda se mantenha nesse padrão.”
Ao lado disso, há medo e ceticismo: “Pelas oficinas e workshops que
venho realizando em várias instituições, sinto que alguns professores têm
receio de fracassar, de não conseguir aplicar corretamente a metodologia”,
prossegue a pesquisadora. “Há encantamento pela ferramenta, há vontade de
utilizá-la, há apoio por parte das instituições, mas ainda persistem dúvidas:
os docentes indagam quem os ajudará a esclarecer o que ainda não sabem.”
Medo do desconhecido e resistência provocada pela ignorância são, de
fato, os freios para a reformulação do currículo de formação de professores e
introdução de novas formas de aprendizagem no Brasil, aponta Enilton Ferreira
Rocha, professor na pós-graduação das Faculdades Santo Agostinho, de Montes
Claros (MG). Citando Paulo Freire, segundo o qual “ensinar exige reflexão
crítica sobre a prática”, Rocha realizou uma pesquisa junto a 83 docentes de
cursos superiores em diversas áreas do conhecimento – administração,
arquitetura, ciências contábeis, psicologia, direito e outros –, onde se fazia
uso da PBL, e verificou que, embora 82% dos professores se mostrassem motivados
pela adoção do método, perpetuavam-se argumentos contra a inovação. Dentre
eles, destaque para a falta de preparação dos alunos para aprender como
protagonista, a exigência de muita disciplina, competência nas relações
interpessoais, hábito de leitura, administração de tempo e espírito de
cooperação – perfis pouco encontrados na comunidade acadêmica e a influência
negativa da falta de conhecimento prévio dos estilos de aprendizagem sobre os
resultados esperados.
Não bastasse, ensinar aplicando metodologias ativas exige esforço,
reconhece Gustavo Hoffmann. “A maioria dos professores já tem aulas expositivas
bem estruturadas, com todo o material preparado. A recorrência semestral do
modelo expositivo gera muito pouco retrabalho e esta situação acaba sendo
bastante confortável. Mudar a forma de ensinar dá trabalho e nem todo professor
está disposto a encarar esta mudança”, diz.
Para acelerar a cruzada da implantação das metodologias, os
especialistas acreditam que o primeiro passo é sempre institucional: “Para que
a escola não perca sua relevância social, é preciso que ela acompanhe os
movimentos dos estudantes do século 21, que participe, compartilhe, interaja
com a sociedade e com a vida de seus alunos”, define Ana Valéria Reis. “Ou
seja, a IES tem de querer mudar ou aceitar que tem professores que desejam
mudanças no formato das aulas. O Unisal deu o primeiro passo: quis a mudança.
Depois, veio a motivação dos professores. Investiu-se neles, para que
aprendessem a metodologia, a experimentassem, apresentassem suas dificuldades e
tomassem consciência da mudança de postura em sala de aula. A adequação dos
alunos é consequência da mudança de atitude do professor.”
Para promover esse câmbio, pipocam iniciativas como as Semanas
Pedagógicas e a Roda de Mestre, encontros realizados no Grupo Ser Educacional
que ajudam os docentes a refletirem sobre a prática de ensinar.
Outra iniciativa é a formação de consórcios de capacitação, como o Consórcio
Sthem Brasil, em torno do qual estão alinhadas 44 IES. Ano passado, ele
investiu US$ 220 mil em recursos próprios na habilitação de professores em metodologias
ativas. “Investir em docentes entusiastas, que sejam mentores e multiplicadores
destas práticas, tem retorno garantido”, aposta Gustavo Hoffmann. Basta
perseverar.
Fonte: Revista educação, acesso em 18.02.2018